Chuvas e trovoadas nesse verão. Dentro e fora dos cinemas. Bruna Surfistinha, ou melhor, Bruna, ou Raquel Pacheco, conta a história da estudante mais detestada da escola que se torna a garota de programa mais desejada do Brasil. A história emociona e ensina. Todos querem ser amados. As empresas também. E ainda querem ganhar dinheiro com isso.
O filme exibe três fases de uma mesma personagem. E nos permite transportar os conceitos para três momentos de uma mesma empresa.
–> Raquel Pacheco
Esse é o nome de batismo da menina que, adotada por uma família de classe média, nunca disse muito a que veio. Tímida, truncada emocionalmente, mantinha relações básicas e suficientes apenas para existir. Não para resistir ou evoluir. Em casa, diálogos monossilábicos. Na escola, “escrever é o que não se pode falar”. Um desastre no relacionamento com o mundo e consigo mesma. Um exemplo de empresas que focadas em si mesmas convivem com seus produtos, mas têm dúvidas sobre “a que vieram” e “a quem buscam conquistar”.
Quando perguntadas sobre os benefícios oferecidos, sobre o seu público-alvo ou sobre seus diferenciais, preferem “escrever a dizer”, ou seja, mostram uma peça publicitária bacana que, em geral, é diferente da experiência real de consumo.
Raquel transforma-se em Bruna no dia em que atende seu primeiro cliente, “sem chorar, sem mandar parar e até o fim”. Sai de casa e ninguém mais ouve falar dela. Lembra daquela empresa que também sumiu da sua vida sem avisar? E da qual você nem sentiu falta? Pois é. O mercado está cheio de “Raquéis”.
–> Bruna
Raquel deixa sua versão original e bruta para se tornar Bruna, uma versão mais “líquida” e adaptável a qualquer orçamento ou preferência, aquela que “faz o que você quiser”, slogan que a transforma na líder de preferência dos clientes. Seu grande diferencial é não ter nenhum diferencial. Ela faz tudo a todos, sem distinção.
“Oi! Eu sou a Bruna” é o jargão automático e inicial da transação cuja comparação é inevitável com as empresas que também começam relações comerciais com um “venha e aproveite os preços baixos”.
Assim como Bruna inicia seu atendimento pela “cintura” de seus clientes, muitas empresas iniciam esse contato pelo bolso. Começam com um brinde, passam a um desconto e viciam a relação sempre com fartas doses de promoções. Praticam um atendimento quantitativo, capaz de receber inúmeros clientes por dia, mas não conseguem saber o nome de algum deles.
Ao serem assediadas por um cliente mais apaixonado, as empresas, assim como Bruna, declaram: “prefiro o seu dinheiro à sua fidelidade”. As Brunas exibem capacidade enorme de conquistar clientes, mas são inaptas à fidelização.
Por quê?
Estão ocupadas com a nova promoção para novos consumidores e se esquecem de avaliar a satisfação dos atuais. Nada é muito bom ou muito ruim nessa relação. O foco é técnico e racional e o cliente é um número, um código ou um cartão. O coração bate fraco.
–> Bruna Surfistinha
Há um momento da relação comercial em que descontos e promoções já não atraem tantos clientes. O que fazer nesse momento? Investir em diferenciais reais ou imaginários. É o momento de se pensar numa comunicação diferenciada e capaz de criar uma nova percepção junto ao mercado.
Bruna passa a ser Surfistinha, criando um blog e relacionando-se com os clientes de maneira virtual e mais ampla. Tem o mundo como possibilidade de contato. Obviamente, o risco de ruídos entre a comunicação virtual e a experiência de consumo real é maior. Entretanto, a intensidade da comunicação ameniza esse impacto.
Bruna adota o “se está bom pra você está bom pra mim” e já se preocupa mais com o atendimento aos clientes. Melhora as instalações físicas do seu apartamento, compra cabelos lindos, contrata uma secretária “back-up” e eleva em 200% a tabela de preço. Nenhum problema se o valor agregado for percebido. O problema começa a partir de uma frase dita quase no final do filme. No auge do sucesso e do faturamento, a personagem declara em alto e bom som: “eu te disse que iria chegar lá”. E ouve como resposta: “lá onde?”
Esse parece ser o dilema de muitas empresas que, após conquistarem uma posição no mercado, entram numa crise sobre onde chegar, quais os limites do crescimento, quando parar é melhor que fragmentar, como evitar o “boo” marketing.
As empresas precisam entender que o crescimento qualitativo é mais sólido que o quantitativo. É melhor atender a dez clientes de maneira profunda e integral a atingir cem de maneira rasa e efêmera. Os exemplos são fartos.
Sua verba publicitária é dirigida a uma pesquisa de satisfação ou à abertura de novas lojas? Seu cadastro de clientes está atualizado ou você prefere comprar um novo mailing para recomeçar a mesma história com novos clientes? Ao final do filme, uma frase sintetiza de maneira brilhante a história da personag em: “sinto mais falta de família que não tive do que daquela que tive”. Somos todos assim. Cuidamos pouco do que temos.
Queremos muito o que não temos. Reconhecemos nada os clientes atuais. Valorizamos excessivamente os que acabaram de chegar. Raquel não é melhor que a Surfistinha. É apenas diferente. Ambas serão felizes à medida que souberem muito bem a que vieram e com quem querem, podem e devem se relacionar.
Pense nisso. Avalie sua atual turma no mercado e aprenda com a Bruna que declara sabiamente: “Eu nunca fui a garota mais popular do colégio… até que um dia mudei de turma”.